Esse palavreado
"menina, cuidado com esse palavreado!" E de tanto pedirem, cuido e cresço com ele.
Quando o repertório da gente se amplia, o nosso mundo também se expande.
Das coisas que tinha medo de sair do "Nordeste" - essa entidade que faz parte de meu imaginário, especialmente em três territórios: Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte -, uma das grandes era que meu palavreado parasse de fazer sentido assim, na convivência, no coletivo. E, aos poucos, por um apelo maior à compreensão, eu fosse largando mão de usar termos, frases, ditos que sempre me foram tão sonoros: xiringar, rebolar, chamboque, pitoco, pinote, cangapé e por aí se segue.
Um amplo e orgulhoso repertório, tecido e entranhado nas memórias e afetos de quem sou, como se cada palavra fosse também um pedaço de meu chão, uma semente de lembrança, uma recordação ancestral que, uma vez evocada, provoca tensões e fissuras no tempo, borra a geografia e faz nascer uma ilha que mistura agreste, praia, mangue e areial dos caminhos que se entrecruzam nas margens de dentro.
Pensava tanto no que podia perder, que nem imaginava o quanto podia ganhar.
No Baixo Amazonas, em Parintins (AM), tenho catado novos fluxos e sons: o meu cajá virou taperebá, a muriçoca, carapanã, o sabor do tacacá que me apresenta o tucupi, o jambu e um novo jeito da goma de mandioca se colocar no paladar.
Banzeiro que vem com embarcações tantas: rabeta, voadeira, canoas, barcos, lanchas. A luz que se faz com a poronga antes da energia elétrica chegar e que pode retornar quando ela falta. A ancestralidade de tantos povos, a força do tuchaua, o sabor do piracuí, a farinha uarini, o som das batucadas, toadas e marujadas.
Aqui, as águas e ritmos têm se encontrado de novas formas e revirado muitas das minhas certezas, construído novos portos. Curumins, cunhatãs, caboclos, ribeirinhos, suas vozes, motos, seus passarinhos, palmeiras, lendas, caminhos que perfazem e sangram. Os trovejos de Tupã, as sombras dos igarapés que ainda não provei, o sabor dos tucunarés, os manos e manas daqui, de um Brasil que se expande quando se tinge de lama, jenipapo e se anuncia de futuro.
Acendo uma vela, como vovô me ensinou, me protejo, agradeço e ilumino os passos dessa jornada.
Minha amiga, que texto bonito. Baita crônica sobre o Brasil.