Eu vou pedir licença a quem tem frequentado esse cantinho que existe há pouco tempo, mas já conseguiu juntar muita torcida, muita gente querida e organizar alguns de meus afetos. Aviso que talvez fique um tanto monotemática, embora sinta que esse tema único é gigante, plural e urgente.
Como rio que sangra, que seca e depois enche uma vez mais, não dou conta de caber num fluxo já planejado e escolho, ou talvez, na maior parte do tempo, a verdade é que sou levada a novas rotas. Tenho lido Eliane Brum e seu Banzeiro Òkòtó e nele reconhecendo muitas das experiências que tenho vivido, descortinado, espreitado pelas brechas da curiosidade, minha e dos outros.
Não tenho tido fôlego para ler num gole só porque cada parágrafo reverbera, estremece, assombra, acalenta, explica (como eu jamais conseguiria) um modo de ver, sentir o mundo de quem, como ela, como eu, amazoniza-se.
“Não aconteceu de repente. Foi acontecendo. Ainda acontece. Nunca mais vai parar de acontecer, acho. A Amazônia não é um lugar para onde vamos carregando nosso corpo, esse somatório de bactérias, células e subjetividades que somos. Não é assim. A Amazônia salta para dentro da gente como num bote de sucuri, estrangula a espinha dorsal do nosso pensamento e nos mistura à medula do planeta.” (p.10)
Não sei se sentem o que eu sinto. Mas, pela primeira vez, desde que estou aqui, leio algo que tento explicar (e falho todas as vezes) e finalmente penso: é isso! É exatamente isso. E estar misturada à medula do planeta, como devem imaginar, é algo que nos coloca num lugar de não retorno. É como se, a cada dia, a gente se despedisse, se despisse de quem já foi e, embora muitas das coisas ainda sejam saudade, há acessos de si, de outrem, das coisas, do mundo que passam a nos pertencer e a gente a eles, de um modo irreversível.
É por isso que digo que tudo é gigante, plural, urgente, entende? Não dá para não falar sobre isso, sobre esse entranhamento, esse estranhamento, sobre a necessidade pessoal, mas para além disso, das vidas das pessoas humanas e não humanas como um todo que exigem repensar a Amazônia como o centro do mundo. E daí Brum, uma vez mais, ressoa aqui como onomatopeia, como brado de Tupã e voltará a este cantinho ainda tantas vezes achar que preciso. Espero que me entendam e continuem por aqui <3
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Banzeiro Òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo
Autora: Eliane Brum
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2021