Sobre conexões, emergência climática, fins e recomeços de mundos
A partir desta semana, comecei a colaborar com a coluna Pegadas Digitais, do Jornal A União. Divido este espaço com os queridos José Maria Mendes e Ana Cirne Paes de Barros, amigos que a academia me trouxe e que o laço afetivo manteve. Vou utilizar este cantinho também como um repositório de tudo que sair por lá. Portanto, esta que vai abaixo é a primeira de algumas que virão.
Inauguro este espaço, cantinho do amigo Zé Maria e generosamente compartilhado comigo e a competente Ana Cirne, apoiada nos ombros de gigantes, como veem. Num lugar que reflete sobre o digital, proponho pensarmos em uma palavra que reordena o seu próprio sentido diante dos usos atuais, torna-se onipresente no vocabulário cotidiano, mas também – e talvez mais importante do que isso – nos imaginários: conexão.
Chamo atenção para o fato de que escolher as palavras certas ajuda a tornar mais clara uma experiência com várias camadas. Afinal: o que significa se conectar a algo, a alguém ou a alguma coisa?

Na ciência, não raro nos deparamos com um assunto, um tema ou um conceito que emerge e submerge diversas vezes, ficando, em alguns momentos, gastos, enrugados, opacos com tanto uso. Poderia citar aqui alguns recentes: “afeto”, “potência”, “atravessamentos”, “algoritmos”. Palavras que, ao ganharem vida nos discursos, assumem tantos caminhos quanto o número de pessoas que as acionam.
Aqui eu convoco a filósofa Donna Haraway que utiliza a sua habilidade em jogar com as palavras para trazer um sentimento e um modo de vida que pertencer nos convoca a agir. Há, em sua obra, um convite para estendermos a noção de conexão. Em “Ficar com o problema: fazer parentes no Cthuluceno”, a provocação da autora é:
“Ninguém vive em todos os lugares; todo mundo vive em algum lugar. Nada está conectado a tudo; tudo está conectado a alguma coisa”.
Ora, se é verdade que estamos todos de algum modo conectados a algo, a alguém ou a a alguma coisa, também o é que cada nó desta rede ocupa um lugar muito específico, de mais ou menos privilégios, a depender do local e das conexões das quais participa de modo mais imediato. Por vezes, alguns desses nós podem ser mais ou menos fetichizados, apagados, borrados, homogeneizados, silenciados.
Do lugar que ocupo atualmente – uma pesquisadora paraibana, em uma ilha no meio do rio Amazonas -, percebo que há um apagamento de tudo, quase, em nome de um discurso que homogeneiza experiências e vivências ribeirinhas para os nós longe daqui.
Há uma conexão do resto do país com a Amazônia, mas é um território que existe apenas quase como metáfora. Esse apagamento, ou minimamente, embaçamento, se dá de tantas maneiras quanto se é possível, literal e metaforicamente, de ocorrer com a diversidade de vidas.
Acontece explicitamente pelo assassinato e pelo silenciamento institucional sobre tantas mortes e, por não serem faladas, elas deixam de existir no mundo e para os vários mundos distantes daqui.
Donna Haraway recupera Van Dooren que afirma: “Ainda que, em última análise, tudo possa estar conectado entre si, a especificidade e a proximidade das conexões são importantes – com quem estamos vinculados e de que maneiras”. Em ano de COP30, de emergência climática como tema recorrente das pautas jornalísticas, dos desastres ambientais em diversos lugares que nos impactam em nossas casas não nos restam dúvidas: estamos conectados. Mas o que isso significa e como isso nos convida à mobilização?